terça-feira, 18 de julho de 2017

Angel

Capítulo três 

Podia ter sido diferente. Tudo poderia ser diferente na minha vida. Mas para que tudo pudesse ser diferente, meus pais ainda teriam que estar vivos. Eles morreram quando eu tinha doze anos, de uma forma que é normal hoje em dia, acidente de carro. Eu estava dormindo na casa do meu melhor amigo nesse dia, e quando eu soube, ele foi o primeiro a me abraçar. Só isso. Palavras aquela hora não foram necessárias. Depois disso eu tive que ir morar com o único parente próximo dos meus pais, que ainda mora na cidade, meu tio Jonathan. Ele é uma boa pessoa, não é extremamente carinhoso ou próximo a mim, mas me acolheu e me deu teto, o que naquela época era tudo o que eu poderia pedir. Nunca fui rico, e ainda vai demorar um pouco para que eu possa receber a herança dos meus pais que está toda no meu nome. É, Miles Jacobs seria sempre um cara normal da classe média. E também seria um cara que nunca entenderia biologia tão bem quanto entende matemática, mesmo que eu passe horas estudando como agora. 
Matemática. Nem sempre fui excepcionalmente bom nessa matéria ate que encontrei uma razão para isso. Quando Aurora entrou por aquela porta pela primeira vez e se pôs de frente para a sala toda me dando o sorriso mais lindo e tímido de todos, essa se tornou a minha motivação. Impressionar de todas as formas possíveis aquela garota. Pena que até agora o plano não tenha dado muito certo, mesmo que durante três meses eu enviasse flores para ela (anonimamente, é claro) na esperança idiota de que ela pensasse em mim. Idiota porque se eu não dizia que era eu nos cartões, era mais do que claro que ela nunca saberia e que eu estava sendo um tonto por esperar o contrário. Sendo prima do Niall nós meio que sempre nos conhecemos, mas estudávamos em escolas diferentes e também contava o fato de que quando somos crianças sempre se tem aquela barreira invisível que separa, de certo modo, meninos e meninas. Até ai confesso que não tinha prestado muita atenção nela, e assim foi até aquele fatídico dia. O dia em que todas as minhas atenções se viraram só para ela. Eu tinha só quinze anos e já estava pronto para pedi-la em casamento ali mesmo- é, eu sei. Sou um eterno e antigo romântico apaixonado e abobado-. Mas por mais que eu fizesse de tudo, de que nos encontramos em todas as datas comemorativas e de que conversássemos na escola, não passava além disso. Sempre teve um impedimento muito grande entre nós, muito maior do que o meu anonimato e o impedimento que mais a machuca, o que acaba por consequência me machucando muito mais também. Mas ela não é a única parte da minha vida. Minha vida pode ser normal, mas nem por isso é chata. Por ser filho único, sempre brinquei em casa na maioria das vezes com o Niall ou então sozinho mesmo, quando meus pais estavam ocupados trabalhando. Isso me gerou uma criatividade e uma imaginação muito férteis. Algumas pessoas chegam a dizer que isso é um privilégio, e que eu posso fazer muita coisa com isso, o que de fato eu desejo mesmo fazer, mas eu apenas digo que isso tudo foi fruto de uma boa infância apenas. Comecei a usar isso a meu favor, quem sabe a criatividade algum dia me desse algum retorno bom de fato. Acho que meus pais teriam orgulho disso. Como eles só tinham a mim, fazer eles terem orgulho de mim sempre foi uma das minhas maiores preocupações então sempre procuro fazer tudo direito. Quando eles ainda estavam aqui, isso parecia dar certo, eu sentia no olhar e nas palavras deles, então gosto de manter em mente que ainda é assim. As conversas é uma das coisas que mais sinto falta... Quanto ao resto, sou um livro aberto de entrelinhas complicadas de se entender. Posso ser bem comunicativo, a ponto de nunca correr o risco de ninguém nunca me taxar de tímido, por mais que quando meus pais morreram algumas pessoas dissessem que isso poderia mudar. Também sou sincero e na maioria das vezes sou bom conselheiro. Não tenho problemas para conversar sobre coisas que me afetam diretamente ou me fazem mal. Era isso o que todos os psicólogos que eu frequentei durante dois anos me diziam que eu teria, e eu sempre discordei pela criação muito aberta que tive. Mas acho que minha mãe sabia de algo sobre o futuro, ou então de fato me conhecia melhor do que eu mesmo-ela sempre alegava isso ou então tinha conhecimento sobre psicologia infantil avançada- quando ela olhava nos meus olhos ela sempre tinha a mania de dizer que por mais que eu falasse as coisas com palavras, meus olhos pareciam esconder verdades não ditas. Eu apenas balançava a cabeça negando e ria, sem responder mais nada ou dizia que isso não era verdade e sim uma besteira de mãe que estava tentando arrancar de um jeitinho carinhoso mais segredos sobre a suposta vida secreta do filho, meu pai concordava comigo também e logo trocávamos de assunto para alguma coisa mais divertida. Sinto falta da diversão e das risadas também....
Hoje em dia, quando olho no espelho e me encaro por algum tempo, não tenho mais tanta certeza como antes que fosse só isso mesmo. Sinto que as vezes a honestidade não chega tão fundo quanto deveria quando se trata de mim mesmo, que não faz o mesmo efeito sobre mim mesmo como eu consigo ser com os outros ou como eles conseguem se sentir sobre si próprios. Mas se de fato isso fosse verdade, além da minha mãe somente uma única pessoa a mais nesse mundo poderia descobrir isso em mim. E até que ela descubra isso vai ficar escondido só para mim.

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